O que garante a alfabetização?

14 de novembro, Dia Nacional da Alfabetização – Retrocessos e reavaliações

CPP – Centro do Professorado Paulista
TEXTO Por: sILVIA GASPARIAN COLELLO

A aprendizagem da língua escrita parece configurar-se como uma habilidade básica, supostamente um pré-requisito para a aquisição de outros conteúdos. Afinal, uma vez que o sujeito conheça as letras associando a elas seus respectivos valores fonéticos, o desafio de juntar sílabas para compor palavras e frases seria uma questão de tempo, assim como seria uma questão de tempo até que o sujeito fixasse as regras da língua para escrever corretamente e ler com fluência. Nessa perspectiva, acredita-se que a alfabetização dependa apenas de um bom método de ensino, concretizado pelo passo a passo de um material didático capaz de dosar a progressão de aprendizagem. Essa ingenuidade pedagógica, que durante anos buscou fórmulas mágicas para se alfabetizar, falha justamente por focar o ensino apenas na aquisição do sistema alfabético, ignorando tanto os fatores extraescolares envolvidos na conquista da escrita (experiências prévias com a língua, acesso a materiais escritos e especificidades das práticas letradas dos grupos sociais), como a complexidades das competências leitoras e escritoras.

Mais recentemente, na era da tecnologia, apareceram vários aplicativos eletrônicos (como o GraphoGame indicado pelo MEC) que, com a ilusória promessa de modernização do ensino, aproveitam o interesse das crianças pelos games, para reproduzir as mesmas práticas obsoletas (repetição e memorização de letras, sílabas e palavras descontextualizadas), desconsiderando a natureza comunicativa da língua.

Se é verdade que muitos de nós aprendemos por essas vias, é igualmente verdadeiro que o contingente da analfabetos funcionais no Brasil foi historicamente reforçado por uma escola que supostamente ensina, mas não necessariamente garante a consciência metalinguística, tampouco a possibilidade de inserir o sujeito nas práticas linguísticas de seu mundo. Esse cenário de baixo letramento sugere que a alfabetização é um processo mais complexo, sobretudo no contexto de uma sociedade que pretende ser democrática. Uma complexidade que merece ser compreendida tanto em função das amplas variáveis de aprendizagem eficiente, como pela desejável condição de um sujeito plenamente alfabetizado.

Saber ler e escrever hoje supera as habilidades mecânicas e perceptuais. Entre as inúmeras competências, espera-se que, pela aprendizagem da língua, o sujeito possa transitar no universo letrado com diversos recursos, em inúmeros suportes e gêneros, atendendo a diferentes interlocutores e propósitos comunicativos. Mais que responder às demandas externas, saber ler e escrever requer a constituição de si perante a sociedade, dispondo de estratégias de expressão, interpretação, compreensão, intercâmbio, argumentação, informação e produção. O que garante tal condição é, sem dúvida, um ensino renovado, mas é também uma conjuntura socioeconômica mais igualitária que, valendo-se da distribuição dos bens culturais, possa disponibilizar experiências letradas e oportunidades iguais a todas as crianças.

Silvia Gasparian Colello é educadora, pesquisadora na área de Psicologia da Educação, professora Sênior do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação da USP e autora dos livros A escola que não ensina a escrever e Alfabetização – O quê, por quê e como (Summus Editorial).

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